Aprendizagem Infantil
Como as crianças aprendem
Por Keli Talita Hollanda
Deus quer que Sua Palavra seja ensinada às crianças. Para isso, precisamos de sabedoria e total dependência do Senhor no estudo e no preparo das lições. Mas é certo que desenvolveremos melhor esse ministério quando conhecermos acerca de como a criança aprende, pois isso nos ajuda a apresentar o ensino bíblico de maneira a estimular a compreensão infantil. O professor cristão precisa saber que abordagem, métodos e recursos são mais adequados para o aprendizado infantil de acordo com o nível de desenvolvimento cognitivo que sua turma apresenta.
Antes mesmo das descobertas de grandes estudiosos modernos acerca da aprendizagem infantil, o próprio apóstolo Paulo nos trouxe uma importante reflexão em I Co. 13:11, quando ele diz: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.” Aqui temos uma constatação básica para se pensar acerca da aprendizagem: crianças falam, agem e pensam de maneira diferente dos adultos. Parece óbvio, mas por muito tempo a educação se deu de forma a enxergar a criança como um “adulto em miniatura”.
“A mente humana procura entender para manter as ideias em equilíbrio; assim, as crianças encontram modos simples para explicar o mundo, oferecendo explicações infantis para o que elas experimentam. Mas à medida que o mundo delas cresce e suas habilidades para entender se desenvolvem, as crianças procuram níveis melhores e mais adequados de equilíbrio. As explicações infantis não conseguem satisfazer a mente sofisticada do adulto, assim o ímpeto da procura do equilíbrio estimula a mente em direção a níveis de raciocínio mais altos.” (Downs, pg. 100 e 101).
Para conhecer melhor como se dá esse processo, vamos apresentar as ideias do biólogo suíço Jean Piaget (1896 – 1980), que foi o primeiro a elaborar um estudo sobre o processo de desenvolvimento lógico nas crianças. Fez muitas pesquisas, estudos e testes para, enfim, criar suas teorias. Publicou mais de 40 livros e centenas de artigos. Ele é um dos principais representantes da Psicologia Cognitiva e propôs que o desenvolvimento da criança ocorre por etapas, na interação entre o corpo e a mente.
Para Piaget, 3 fatores estimulam o desenvolvimento cognitivo: maturação (evolução do pensamento e do raciocínio), experiência (vivência no ambiente) e transmissão social (aprendizado pela influência de outras pessoas).
Os conceitos da Psicologia Cognitiva aplicam-se ao conhecimento e à aprendizagem em geral. Essas ideias não negam completamente as ideias antigas sobre o aprendizado. É possível aprender recebendo informações, treinando e decorando regras. Mas, dessa maneira, a compreensão daquilo que se retém costuma ficar comprometida. E esta é a diferença: o que se procura através desses estudos é favorecer o aprendizado com compreensão.
A Psicologia Cognitiva fez importantes descobertas sobre o pensamento da criança. Os pesquisadores concluíram que a elaboração do pensamento evolui, passa por estágios; em cada estágio, a criança tem uma maneira especial de compreender e explicar as coisas do mundo.
Vamos exemplificar: Experimentemos mostrar a uma criança duas bolachas iguais, uma inteira e a outra partida em quatro pedaços. Quase todas as crianças de cinco anos de idade vão dizer que as quantidades de bolacha não são iguais. Muitas vão achar que há maior quantidade na bolacha em pedaços. Já as crianças mais velhas reconhecerão facilmente que as quantidades são iguais.
Esse exemplo mostra um fato comum: em certos estágios do pensamento as crianças pensam que a disposição das partes altera a quantidade. Por isso, para as crianças pequenas, pode parecer que a quantidade de bolacha aumenta se ela for partida em pedaços.
Piaget formulou, então, o que se conhece como “Estágios do Desenvolvimento Cognitivo” para explicar o processo em que as crianças desenvolvem o pensamento até chegarem a um nível completo de maturação. São eles: Período Sensório-motor, Período Pré-Operatório, Período Operatório-concreto e Período Operatório-formal.
Sensório-motor (0 a 2 anos) – aprendizado pelas experiências sensoriais
– Demonstram a inteligência por meio de dados sensitivos (órgãos dos sentidos) e atividade motora.
– Visão egocêntrica, limitada.
– Necessidade principal: cuidado físico e emocional (primeiros vínculos).
– Precisa estar em ambiente seguro e com estímulo sensorial.
A partir de reflexos neurológicos básicos, o bebê começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. Ele não é capaz de representar ou pensar acerca do que vê, sente ou faz. A inteligência é prática, se dá pelas ações imediatas do bebê em exploração ao seu meio.
Exemplo:
O bebê pega o que está em sua mão; “mama” o que é posto em sua boca; “vê” o que está diante de si. Aprimorando esses esquemas, é capaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo a boca.
Pré-operatório (2 a 7 anos) – pensamento simbólico
– Habilidade para representar algo da sua realidade (“fazer de conta”).
– Valoriza a experiência e a percepção.
– Usa um objeto como representativo de outro (ex: usar lápis como carro, avião)
– É comum as conversas com amigos imaginários, criar ambientes mágicos, mundo da fantasia.
A criança deste estágio:
• Ainda é egocêntrica (visão centrada em si mesma) e não consegue se colocar, abstratamente, no lugar físico do outro.
• É curiosa, experimenta e procura por explicações.
• Possui percepção global sem discriminar detalhes.
• Deixa se levar pela aparência sem relacionar fatos (ingenuidade).
Exemplo:
Mostram-se para a criança, duas bolinhas de massa iguais e dá-se a uma delas a forma de salsicha. A criança nega que a quantidade de massa continue igual, pois as formas são diferentes. Não relaciona a correspondência de quantidade nas duas formas.
Operatório-concreto (7 a 11 anos) – pensa logicamente somente com exemplos concretos
– Fase de entusiasmo diante de novas habilidades e aprendizagens.
– Tem um pensamento mais lógico e organizado (o que lhe dá nova percepção do mundo) e surgem novas
descobertas.
– Ainda há limitação em relação ao que é abstrato; precisam do concreto (ver, experimentar, comparar, fazer) para compreender questões mais subjetivas. A criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem…, já sendo capaz de relacionar diferentes aspectos.
Exemplo:
Despeja-se a água de dois copos em outros, de formatos diferentes, para que a criança diga se as quantidades continuam iguais. A resposta é afirmativa uma vez que a criança já diferencia aspectos e é capaz de “refazer” a ação.
Operatório-formal (12 anos em diante) – forma hipóteses e conceitos abstratos
– Já existe um raciocínio coeso em cima de proposições e hipóteses. Imaginam possibilidades e tiram conclusões, pensam novas maneiras, questionam. São capazes de navegar no campo das ideias.
– Pensam teoricamente sem precisar de representação física, visível (não necessitam mais raciocinar com base no que é concreto para elaborar o pensamento).
– Apresentam capacidade cognitiva para pensar sobre questões subjetivas.
As estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.
Exemplo:
Se lhe pedem para analisar um provérbio como “de grão em grão, a galinha enche o papo”, a criança trabalha com a lógica da ideia (metáfora) e não com a imagem de uma galinha comendo grãos.
* Algumas implicações para a Educação Cristã
Como nós podemos usar as informações de Piaget para nos ajudar a ensinar a Bíblia às crianças de todas as idades? Podemos aplicar esse conhecimento de maneira bastante proveitosa em nossa prática, porque obtemos melhor compreensão da criança e de como podemos trabalhar melhor o ensino de acordo com o nível cognitivo em que ela se encontra. Vamos a algumas considerações:
1) A mente precisa ser desafiada, estimulada, para receber (assimilar) novos conhecimentos. Começar com o que é conhecido e, a partir daí, introduzir novos ensinos.
2) Os estágios cognitivos influenciam o que a criança pode aprender. Ensinar conteúdos de acordo com o nível de maturidade em que a criança se encontra e numa linguagem que seja apropriada ao modo como as crianças pensam em cada fase.
3) Evitar conceitos abstratos e complexos para crianças com menos de 12 anos.
4) O aprendizado concreto inicialmente é necessário para se desenvolver um pensamento abstrato posteriormente. Ensinar conceitos bíblicos através de histórias contadas, com recursos visíveis, palpáveis e até reais, caso seja possível. Dar vida ao ensino, usar a linguagem correta e fazer aplicações diretas para a vida delas.
5) Proporcionar uma boa interação social e estímulos ambientais. Atividades que incentivem a interação de uns com os outros, vínculos entre alunos e professor e entre alunos e alunos. Permitir o envolvimento ativo das crianças no ensino: tocar, saborear, cheirar (sentir e fazer). A criança que é desafiada e participa de forma ativa da aula, internaliza melhor o ensino.
6) Concentrar-se em um aspecto central da lição para crianças menores de 7 anos. Ter sempre um foco, um objetivo principal, um alvo para o ensino do dia, a “ideia-chave” da lição, seja durante a história contada, na escolha do versículo a ser decorado, dos cânticos a serem cantados, da atividade que será aplicada e das brincadeiras. A repetição embutida permite que a criança seja alcançada de formas diferentes pelo mesmo ensino, o que facilita seu aprendizado.
7) Qualquer ensino abstrato/teórico (conceitos, doutrinas) para crianças menores de 12 anos, precisa vir relacionado a um referencial concreto/prático (exemplos visíveis ou reais). Ajuda também ter sempre material visual, o físico para demonstrar o teórico. Ao invés de apelar apenas para o raciocínio da criança, deve-se apresentar o conceito com algo atrelado ao que ela conhece, vivencia.
8) Abrir espaços para questionamentos, dúvidas e diálogo. Isso é muito importante para se corrigir concepções erradas que podem estar sendo construídas na mente das crianças e dar a elas um direcionamento correto. Elas precisam de um ambiente onde se expressa confiança e liberdade para se expor. Como as crianças pensam de modo diferente dos adultos, sua compreensão precisa ser acompanhada pelo professor e isso serve também como um feedback para avaliar seu ensino.
* Conclusões
O conhecimento das características em cada fase infantil e o entendimento de que existem fases de desenvolvimento do raciocínio lógico nas crianças, são importantes para trabalharmos conteúdos bíblicos de maneira adequada à compreensão delas, estimulando-as de acordo com o que é próprio à sua idade e maturidade, com linguagem, metodologia e recursos apropriados. O ensino bíblico deve ser adequado à idade e aplicável à vida da criança, para que ela se aproprie da Palavra de Deus de forma que faça diferença na sua vida.
“Piaget ajudou-nos a entender o modo como as crianças pensam, e isso é importante para entender como ensiná-las de uma maneira responsável.” (Downs, pg. 114)
Mas não podemos achar que, pelo fato de a criança não ter uma maturidade cognitiva formada, seja incapaz de crer em Jesus (que ela não vê) e de passar pela experiência da conversão pela fé (que é subjetiva).
A obra do Espírito Santo é pessoal, sobrenatural e incondicionada aos padrões humanos sendo, por isso, até mesmo inexplicável à ciência. Mesmo em fases de compreensão limitada, o Senhor pode se revelar a uma criança e ela pode ser tocada pela mensagem da Salvação em Cristo e crer Nele como seu único Salvador, desenvolvendo profundo amor e devoção a Ele pelo resto de sua vida.
Trabalhemos com esmero e responsabilidade, mas não subestimemos os pequeninos, pois eles são exemplo dos que creem com sinceridade e herdam o Reino dos Céus!
Bibliografia:
_ DOWNS, Perry G. – Ensino e Crescimento – Introdução à Educação Cristã (Ed. Cultura Cristã)
TAFNER, Malcon. A construção do conhecimento segundo Piaget. Cérebro e mente. Construtivismo. Acesso: https://cerebromente.org.br/n08/mente/construtivismo/construtivismo.htm
OLIVEIRA, Andy. Didática da matemática. Digitações e concursos. Acesso: https://www.passeidireto.com/arquivo/78963019/2-didatica-da-matematica